Capítulo 6 - Fronteira eletroestática
6.1 Introdução
Esta secção introduz a importância das equações diferenciais parciais (EDPs) no estudo do eletromagnetismo. Grande parte dos problemas em eletrostática, magnetostática e eletrodinâmica reduz-se à resolução de EDPs que descrevem os potenciais associados a campos elétricos e magnéticos. Destacam-se duas equações fundamentais: a equação de Poisson e a equação de Laplace, que surgem naturalmente a partir da lei de Gauss e da definição de potencial escalar elétrico. O autor sublinha que a resolução destas equações, com condições de fronteira adequadas, permite determinar os potenciais e, consequentemente, os campos em várias situações físicas. Também é destacado o papel do Teorema da Unicidade, que garante que a solução encontrada para um problema bem definido é a única possível, dando confiança na aplicação prática destas técnicas matemáticas.
6.2 Equações de Poisson e de Laplace
Nesta parte, derivam-se formalmente as equações de Poisson e de Laplace.
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Partindo da lei de Gauss em forma diferencial, , e sabendo que e , obtém-se:
que corresponde à equação de Poisson.
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Quando não existe carga livre (), a equação reduz-se a:
que é a equação de Laplace.
A secção enfatiza que estas equações são fundamentais porque descrevem como o potencial elétrico se comporta em regiões com ou sem carga. Apresentam-se ainda exemplos práticos de aplicação: em condutores, em dielétricos e em configurações com simetrias geométricas. É salientado que a equação de Laplace é especialmente importante, pois muitos problemas reais podem ser resolvidos considerando regiões sem carga.
6.3 Teorema da Unicidade
Esta secção aborda o princípio da unicidade das soluções. O Teorema da Unicidade estabelece que, se o potencial satisfaz a equação de Laplace ou de Poisson numa região, e se são impostas condições de fronteira bem definidas (condições de Dirichlet ou de Neumann), então a solução obtida é única.
Este resultado é importante porque significa que, uma vez encontrada uma solução que respeite tanto a equação diferencial como as condições de fronteira, não existe necessidade de procurar outras soluções alternativas. O teorema dá consistência às técnicas matemáticas usadas (como separação de variáveis, expansão em séries, ou métodos numéricos) e valida a aplicação prática das equações diferenciais no cálculo de potenciais eletrostáticos.
6.4 Procedimentos gerais para resolver a equação de Poisson ou de Laplace
Esta secção descreve os passos sistemáticos para resolver problemas de valor de fronteira que envolvem as equações de Poisson e de Laplace.
O processo segue, em geral, quatro etapas:
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Resolver a equação diferencial:
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Se , aplica-se a equação de Laplace.
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Se , aplica-se a equação de Poisson.
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Utiliza-se integração direta quando o potencial depende de uma única variável, ou o método de separação de variáveis quando depende de várias. Nesta fase, a solução é obtida de forma geral, com constantes de integração por determinar.
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Aplicar as condições de fronteira:
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As condições de contorno (potenciais conhecidos, continuidade de campos, etc.) permitem determinar os valores das constantes de integração, obtendo uma solução única.
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Determinar os campos e correntes:
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Uma vez encontrado o potencial , calculam-se o campo elétrico , o deslocamento elétrico , e a densidade de corrente .
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Determinar carga, capacitância ou resistência, se necessário:
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A carga induzida pode ser obtida a partir de (componente normal de ).
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A capacitância resulta de .
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A resistência obtém-se de .
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A secção apresenta exemplos práticos, incluindo o funcionamento de bombas eletro-hidrodinâmicas e aplicações em fotocopiadoras (xerografia), bem como problemas clássicos com placas condutoras e cones. Estes exemplos ilustram como os métodos de solução podem ser aplicados em geometrias diferentes, reforçando a utilidade do método de separação de variáveis.
6.5 Resistência e Capacitância
Aqui são tratados os conceitos de resistência e capacitância como problemas de valor de fronteira.
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Resistência:
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Para condutores de secção uniforme já tinha sido deduzida (Cap. 5).
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Para condutores de secção não uniforme, usa-se a equação geral:
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O cálculo envolve escolher um sistema de coordenadas adequado, resolver a equação de Laplace para obter , calcular e depois determinar a corrente .
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Capacitância:
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Definida como a razão entre a carga e a diferença de potencial:
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Calcula-se considerando duas placas condutoras com cargas iguais e opostas, aplicando a lei de Gauss para encontrar o campo elétrico e depois integrando para obter o potencial.
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São estudadas três configurações fundamentais:
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Condensador de placas paralelas: .
Condensador coaxial: .
Condensador esférico: .
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Relação entre R e C:
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Mostra-se que o produto , chamado tempo de relaxação do dielétrico.
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Exemplos são apresentados para condensadores reais, mostrando que a resistência considerada é a resistência de fuga no dielétrico e não a dos condutores.
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6.6 Método das Imagens
Esta secção introduz o método das cargas-imagem, uma técnica matemática que simplifica a resolução de problemas de eletrostática com condutores.
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Ideia principal: substituir as condições de fronteira impostas por condutores por cargas fictícias (“imagens”) colocadas em posições convenientes, de forma a reproduzir a mesma distribuição de campo e potencial que no problema original.
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Exemplo clássico:
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Uma carga pontual próxima de um plano condutor infinito aterrado.
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O campo elétrico que resulta da carga real e da sua carga imagem (de sinal oposto, simetricamente colocada em relação ao plano) satisfaz as condições de fronteira no condutor.
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Importância:
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O método permite calcular campos, potenciais e forças de forma direta, evitando a resolução explícita da equação de Laplace com condições de contorno complexas.
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É aplicado em problemas com planos condutores, esferas condutoras e outras geometrias com simetrias adequadas.
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Limitações:
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Só funciona em casos com alta simetria.
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Nem sempre é possível encontrar uma configuração de cargas imagens simples que satisfaça as condições de fronteira.
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O método das imagens é particularmente útil para estudar interações carga-condutor, forças induzidas e cálculo de capacitâncias em sistemas simples.
6.7 Resistência e Capacitância com Potenciais Específicos
Nesta secção, o autor mostra como resolver problemas de resistência e capacitância quando o potencial aplicado não é constante em toda a fronteira, mas segue uma função específica (por exemplo, sinusoidal).
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O procedimento mantém-se: resolver a equação de Laplace, aplicar as condições de fronteira e determinar a solução particular.
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Aplica-se a separação de variáveis, mas agora os coeficientes são obtidos por séries de Fourier, já que o potencial imposto pode variar ao longo de uma superfície.
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Exemplo: num canal retangular, em vez de impor numa das paredes, impõe-se . Isso leva a soluções específicas para os coeficientes , e apenas alguns termos da série sobrevivem.
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Conclusão: mesmo para condições de contorno não uniformes, a técnica de separação de variáveis continua válida, mas exige análise mais detalhada das funções impostas.
6.8 Método de Separação de Variáveis em Coordenadas Cilíndricas e Esféricas
Aqui generaliza-se o método da separação de variáveis para coordenadas não cartesianas:
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Cilíndricas (): parte-se da equação de Laplace nesta forma e procura-se uma solução do tipo . A equação divide-se em três equações diferenciais ordinárias:
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Para , uma equação exponencial ou hiperbólica.
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Para , uma equação trigonométrica (seno/cosseno).
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Para , surge a equação de Bessel, cuja solução completa requer funções especiais (funções de Bessel).
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Esféricas (): um processo análogo conduz à equação associada de Legendre.
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Estas soluções são usadas em problemas mais avançados, como a distribuição de potencial em cilindros coaxiais ou esferas com simetria parcial.
Nota: o livro não aprofunda as soluções completas (remete para referências), mas sublinha a importância destas equações diferenciais especiais em eletromagnetismo.
6.9 Aplicações a Configurações Concretas
A secção aplica os métodos anteriores a exemplos específicos, calculando resistência e capacitância em geometrias particulares:
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Condutores planos e não uniformes: resistência obtida resolvendo Laplace.
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Condensadores coaxiais, esféricos e paralelos: recapitulam-se as fórmulas clássicas já obtidas.
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Exemplos numéricos mostram como calcular valores concretos de e , incluindo casos de barras metálicas curvas e outras formas não triviais.
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Introduz-se também a noção de resistência de fuga nos dielétricos, reforçando que a resistência associada às expressões anteriores não é a dos condutores, mas sim a do meio dielétrico que os separa.
Resumo
O resumo final destaca os pontos centrais do capítulo:
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Problemas de valor de fronteira:
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Surgem quando se conhecem condições de carga e/ou potencial apenas em superfícies, e pretende-se determinar e em toda a região.
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Equações fundamentais:
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Poisson (): válida em regiões com carga.
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Laplace (): válida em regiões sem carga.
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Teorema da Unicidade:
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Garante que, se uma solução satisfaz a equação diferencial e as condições de fronteira, então essa solução é única.
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Procedimento de resolução:
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Resolver a equação diferencial.
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Impor condições de fronteira.
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Determinar campos, correntes, cargas e eventualmente resistência ou capacitância.
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Resistência e Capacitância:
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Podem ser deduzidas a partir da equação de Laplace e das condições impostas.
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Geometrias comuns: placas paralelas, coaxiais, esferas.
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O produto define o tempo de relaxação do meio.
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Método das Imagens:
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Simplifica problemas com condutores, substituindo-os por cargas fictícias em posições adequadas.
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Método da Separação de Variáveis:
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Permite resolver a equação de Laplace em diferentes sistemas de coordenadas, levando a equações diferenciais clássicas (Bessel, Legendre).
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O capítulo conclui que o estudo de problemas de valor de fronteira em eletrostática não só permite compreender melhor os campos e potenciais, como fornece as bases matemáticas para aplicações práticas em engenharia eletrotécnica e eletrónica (condensadores, isolamentos, dispositivos de alta tensão, etc.).