Capítulo 3 - Princípios da conversão eletromecânica de energia
Secção 3.1 – Forças e Binários em Sistemas de Campo Magnético
Nesta secção é introduzida a lei de Lorentz, que descreve a força exercida sobre uma partícula com carga em presença de campos elétrico e magnético . São analisados dois casos específicos:
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Campo elétrico puro (): a força é e actua na direção do campo, independentemente do movimento da partícula.
-
Campo magnético puro (): a força é , perpendicular tanto ao movimento como ao campo magnético, cuja direção é dada pela regra da mão direita.
Para sistemas com muitas partículas em movimento, introduz-se o conceito de densidade de carga e de densidade de corrente , levando à forma da força por unidade de volume:
É demonstrado com um exemplo prático (Exemplo 3.1) o cálculo do binário sobre um rotor com uma bobina de uma espira sujeita a um campo magnético uniforme. Conclui-se que:
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Em sistemas com fios condutores e geometria simples, a equação é útil.
-
Em dispositivos práticos com materiais magnéticos, essa equação não é suficiente, pois a força também atua nos materiais, não apenas nas cargas em movimento.
Secção 3.2 – Balanço de Energia e o Método da Energia
Esta secção introduz o princípio da conservação de energia como base para o cálculo de forças e binários em sistemas eletromecânicos. Considera-se um sistema com entrada de energia elétrica, saída de energia mecânica, armazenamento de energia no campo magnético e perdas por calor:
A análise foca-se em sistemas sem perdas (elementos de armazenamento idealizados) que ligam terminais elétricos e terminais mecânicos via energia armazenada em campos magnéticos.
Usando um modelo idealizado (Fig. 3.3a), o sistema é representado com:
-
Variáveis elétricas: tensão , corrente
-
Variáveis mecânicas: força , posição
A potência elétrica de entrada é , a potência mecânica de saída é , e a variação da energia armazenada é:
Combinando com a equação da força eletromotriz , obtém-se:
Esta equação é a base do método da energia, permitindo determinar as forças eletromagnéticas a partir da variação da energia armazenada em função das variáveis de estado (fluxo ligado e posição ). O método oferece uma forma eficaz de analisar dispositivos complexos sem recorrer a distribuições de campo detalhadas.
Secção 3.3 – Energia em Sistemas de Campo Magnético com Excitação Simples
Esta secção trata da aplicação do método da energia a sistemas de excitação simples, ou seja, com uma única bobina como fonte de energia magnética e um terminal mecânico com deslocamento linear (ou angular, por analogia).
Conceitos principais:
-
O exemplo usado é um relé eletromagnético com armadura móvel e núcleo de elevada permeabilidade.
-
A energia é armazenada maioritariamente nos entreferros (air-gaps), pois têm uma relutância muito superior à do material magnético.
-
Adota-se o modelo linear: a relação entre o fluxo ligado e a corrente é dada por:
onde é a indutância dependente da posição .
Cálculo da energia armazenada:
Partindo da equação deduzida na secção anterior:
e assumindo uma trajetória de integração em que se mantém constante, obtém-se:
Para sistemas lineares:
Exemplos:
-
Exemplo 3.2: cálculo da energia armazenada num relé com entreferro uniforme. Mostra que a energia armazenada depende da posição da armadura através da área do entreferro e da indutância.
Secção 3.4 – Determinação da Força e do Binário Magnético a partir da Energia
Nesta secção, o objetivo é determinar forças e binários eletromagnéticos usando o método da energia, sem analisar detalhadamente os campos.
Princípio base:
A energia armazenada é uma função de estado das variáveis independentes (fluxo ligado) e (posição). A partir do diferencial total:
e aplicando cálculo diferencial:
Fórmulas práticas:
-
Para sistemas lineares (), com energia dada por:
a força é:
ou, substituindo :
Exemplos:
-
Exemplo 3.3: cálculo da força sobre um êmbolo com base em dados experimentais de indutância em função da posição , usando ajuste polinomial e o MATLAB.
-
Também se mostra como manter constante (por exemplo, via controlador) e ainda assim calcular a força com base na derivada da energia.
Versão rotativa:
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Quando o terminal mecânico é rotativo, substitui-se por (ângulo) e a força por torque :
-
Exemplo 3.4: rotor oval com entreferro não uniforme, cuja indutância varia com . O binário é calculado como:
Secção 3.5 — Coenergia
A secção 3.5 introduz o conceito de coenergia como uma ferramenta útil para análise de sistemas eletromecânicos, especialmente quando se pretende expressar forças ou binários (torques) em termos de corrente em vez de ligação de fluxo. Esta abordagem complementa a análise baseada em energia, permitindo obter expressões mais simples e práticas.
Para sistemas com uma única excitação, a coenergia é definida como:
E o seu valor diferencial é:
Isto implica que:
-
A ligação de fluxo é dada por:
-
A força eletromagnética é dada por:
No caso de sistemas lineares, a coenergia é idêntica à energia armazenada no campo magnético. Em sistemas não lineares, as duas são diferentes, mas a coenergia continua a ser útil por permitir o cálculo direto da força ou torque com base na corrente, o que é comum em situações práticas.
A secção termina com um exemplo numérico que mostra como calcular o torque a partir da coenergia num sistema com rotor saliente, utilizando uma expressão explícita dependente da corrente e da posição angular.
Secção 3.6 — Sistemas de Campo Magnético com Múltiplas Excitações
Esta secção generaliza a análise para sistemas com múltiplas excitações elétricas, ou seja, com mais do que um enrolamento. Estes sistemas aparecem frequentemente em máquinas elétricas, instrumentos de medição e atuadores eletromecânicos complexos.
Estrutura da Análise
É apresentado um sistema genérico com dois enrolamentos e um terminal mecânico rotativo. A análise é feita com base em três variáveis independentes, geralmente escolhidas entre: θ (posição angular), λ₁, λ₂ (ligações de fluxo), i₁, i₂ (correntes).
A energia armazenada diferencial no campo magnético é dada por:
As relações derivadas são:
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Correntes como derivadas parciais da energia em relação às ligações de fluxo.
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Torque como derivada negativa da energia em relação à posição angular.
Coenergia para Sistemas com Múltiplas Excitações
Define-se então a coenergia:
Com a sua forma diferencial:
E as correspondentes derivadas parciais para determinar ligações de fluxo e torque diretamente a partir das correntes:
Sistema Linear
Para sistemas lineares (λ₁ e λ₂ expressos em função de i₁, i₂ e indutâncias L₁₁, L₁₂, L₂₂):
O torque pode ser calculado diretamente como:
Exemplo Prático
A secção inclui um exemplo com valores específicos de indutâncias variáveis com a posição (dependência trigonométrica de θ). O torque resultante é a soma de:
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Torque de interação mútua entre os enrolamentos (proporcional a i₁i₂ sinθ).
-
Torque de relutância, devido à variação das indutâncias próprias com θ (proporcional a i² sin2θ).
Estes torques são representados graficamente e discutidos em termos físicos.
Secção 3.7 — Forças e Binários em Sistemas com Ímanes Permanentes
Contexto e Problema
As secções anteriores abordam sistemas cujos campos magnéticos são gerados por correntes elétricas em enrolamentos. No entanto, muitos dispositivos práticos usam ímanes permanentes (ou materiais magnéticos duros), como motores brushless, sensores e atuadores.
Nestes sistemas, os métodos tradicionais de cálculo de energia e coenergia requerem adaptação, uma vez que:
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A densidade de fluxo B não é nula quando o campo magnético H = 0.
-
A coercividade do íman (Hc) implica um campo interno não nulo, mesmo sem corrente.
Técnica com Enrolamento Fictício
Para adaptar os métodos clássicos, a secção propõe um método analítico baseado num enrolamento fictício, que:
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É colocado no mesmo caminho magnético do íman.
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Tem corrente nula durante a operação normal.
-
Serve apenas como artifício matemático para calcular a energia ou coenergia.
Esta abordagem permite:
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Calcular a coenergia com base na corrente no enrolamento fictício.
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Derivar a força ou binário aplicando as fórmulas já conhecidas da coenergia.
Equivalência com Enrolamento Real
O íman permanente pode ser substituído por:
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Um material magnético linear com a mesma permeabilidade.
-
Um enrolamento com força magnetomotriz equivalente (Ni) = −Hc·d.
Esta substituição produz o mesmo fluxo no circuito externo e a mesma força. Tal equivalência permite:
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Aplicar técnicas convencionais com enrolamentos.
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Combinar ímanes permanentes e enrolamentos reais num único modelo analítico.
Secção 3.8 — Equações Dinâmicas
Objetivo
Esta secção integra os conceitos de energia, coenergia, forças e binários no modelo dinâmico completo de um sistema eletromecânico. O objetivo é descrever a interação entre:
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O circuito elétrico.
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O sistema de conversão de energia.
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O sistema mecânico externo.
Modelo Geral
Um sistema tipicamente inclui:
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Fonte elétrica (tensão v₀ e resistência R).
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Enrolamento com fluxo λ e corrente i.
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Parte mecânica com massa M, mola (constante K) e amortecimento (coeficiente B).
Equações Fundamentais
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Equação elétrica (derivada da lei de Faraday):
Se λ = L(x)i:
O termo final é a tensão de velocidade, típica em sistemas com movimento.
-
Equação mecânica (equilíbrio de forças):
Ou reorganizada:
Exemplo Prático (Ex. 3.10)
Analisa-se um solenóide com êmbolo móvel e guiado por anéis de latão:
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O fluxo passa radialmente.
-
A indutância depende da posição x.
-
A força magnética e a tensão induzida são derivadas explicitamente como funções de x e i.
Obtem-se as equações diferenciais acopladas que descrevem a dinâmica completa do sistema:
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Equação da força magnética:
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Equação da tensão:
-
Equação do movimento:
Aplicação
Estas equações permitem:
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Simulações numéricas (por ex., com MATLAB/Simulink).
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Estudo do comportamento transitório do sistema.
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Análise de estabilidade, tempo de resposta e força resultante.
Secção 3.9 — Técnicas Analíticas
Objectivo
A secção 3.9 explora métodos analíticos e numéricos para resolver as equações dinâmicas não-lineares de sistemas eletromecânicos desenvolvidas na secção anterior. As técnicas apresentadas aplicam-se tanto a sistemas de movimento grosseiro (como solenóides e relés) como a transdutores de pequena amplitude, sendo adaptáveis a sistemas mais complexos que os exemplos anteriores.
3.9.1 Movimento Grosseiro
Esta subsecção centra-se na resolução das equações diferenciais não-lineares obtidas de dispositivos como atuadores ou solenóides, que produzem movimento substancial.
3.9.2 Linearização
Quando os dispositivos operam perto de um ponto de equilíbrio, é possível simplificar as equações linearizando-as para obter respostas mais fáceis de analisar, especialmente em transdutores e sistemas de controlo.
Estratégia:
Cada variável é escrita como:
Substituindo nas equações diferenciais originais e descartando termos de segunda ordem, obtém-se um sistema linear de equações diferenciais.
Estas equações permitem:
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Análise em frequência (via números complexos).
-
Estudo de estabilidade e resposta a pequenos sinais.
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Determinação de ganhos, constantes de tempo e pontos de ressonância.
Secção 3.10 — Sumário
Esta secção sintetiza os conceitos centrais do capítulo 3, agrupando-os numa visão coesa dos princípios fundamentais da conversão de energia eletromecânica.
Conceitos-Chave:
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Armazenamento de Energia em Campos:
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A energia armazenada em campos magnéticos (ou elétricos) pode gerar forças ou binários quando há variação geométrica (ex: deslocamento linear ou angular).
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Essa energia é convertida em movimento mecânico quando há interação entre corrente e campo.
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Sistemas Conservativos:
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A modelação considera sistemas conservativos, onde perdas são atribuídas externamente (em resistências, amortecedores, etc.).
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A energia armazenada é uma função de estado dependente das variáveis do sistema (λ, i, x, θ...).
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Coenergia:
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A coenergia é introduzida como uma ferramenta alternativa e eficaz para calcular forças/torques a partir das correntes, especialmente útil em sistemas com múltiplas excitações.
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Múltiplas Excitações:
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Dispositivos reais muitas vezes possuem mais do que um enrolamento.
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A análise com coenergia permite determinar o binário com expressões simples, mesmo quando há variação das indutâncias com a posição.
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Ímanes Permanentes:
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Sistemas com ímanes permanentes requerem cuidados especiais, mas podem ser analisados introduzindo um enrolamento fictício.
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Este modelo permite manter a consistência com a abordagem baseada em energia/coenergia.
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Equações Dinâmicas:
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A integração dos domínios elétrico e mecânico leva a um modelo dinâmico completo.
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Essas equações geralmente não são lineares e são resolvidas com técnicas numéricas (ex: Simulink), mas podem ser linearizadas para análise de estabilidade ou controlo.
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Aplicabilidade Universal:
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Os princípios aqui desenvolvidos são aplicáveis a máquinas rotativas (tema dos capítulos seguintes) e a transdutores lineares, servindo como base unificadora.
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Secção 3.11 — Variáveis do Capítulo 3
Esta secção reúne todas as variáveis utilizadas ao longo do Capítulo 3 com os respetivos símbolos, unidades e significados, de modo a facilitar a consulta e a interpretação das equações.
Grandezas Mecânicas e Geométricas
Símbolo | Significado | Unidade (SI) |
---|---|---|
Posição angular | rad (radianos) | |
Deslocamento linear | m (metros) | |
Raio | m | |
Dimensões lineares diversas | m | |
Área | m² | |
Velocidade linear | m/s | |
Massa | kg | |
Constante de mola | N/m | |
Coeficiente de amortecimento | N·s/m ou kg/s | |
Binário (torque) | N·m | |
Força | N |
Grandezas Elétricas e Magnéticas
Símbolo | Significado | Unidade (SI) |
---|---|---|
Corrente elétrica | A (ampères) | |
Ligação de fluxo (flux linkage) | Wb (weber) | |
Fluxo magnético | Wb | |
Tensão ou força eletromotriz | V (volts) | |
Resistência elétrica | Ω (ohm) | |
Indutância | H (henries) | |
Número de espiras (voltaspelo enrolamento) | adimensional | |
Intensidade de campo magnético | A/m | |
Densidade de fluxo magnético | T (tesla) | |
Permeabilidade magnética | H/m | |
Permeabilidade do vácuo (ou ar) | H/m | |
Permeabilidade relativa do íman | H/m | |
Coercividade do material magnético | A/m | |
Remanência magnética (magnetização residual) | T | |
Força magnetomotriz (f.m.m.) | A (ampères) | |
(magnético) | Relutância | 1/H (H⁻¹) |
Densidade de carga elétrica | C/m³ | |
Carga elétrica | C (coulomb) | |
Densidade de corrente | A/m² | |
Campo elétrico | V/m |
Energia e Potência
Símbolo | Significado | Unidade (SI) |
---|---|---|
Energia armazenada no campo magnético | J (joules) | |
Coenergia magnética | J | |
Potência elétrica fornecida | W (watts) | |
Potência mecânica de saída | W |
Subscritos e Notações Comuns
Subscrito | Significado |
---|---|
Externo (elétrico ou mecânico) | |
Relativo ao campo magnético | |
Relativo ao íman (permanente) | |
ou "gap" | Entreferro (air gap) |
Valor equivalente (ex: força magnetomotriz) | |
Valor de referência ou inicial (ex: posição) |