Capítulo 34 – Ondas Eletromagnéticas
34.1 – Corrente de Deslocamento e Forma Geral da Lei de Ampère
A forma original da lei de Ampère, válida apenas quando os campos eléctricos são constantes no tempo, leva a inconsistências em situações como o carregamento de um condensador. Numa dessas situações, o campo magnético calculado depende da superfície escolhida, o que é fisicamente inadmissível.
James Clerk Maxwell resolveu este problema ao introduzir a noção de corrente de deslocamento, que é um termo adicional na lei de Ampère para contemplar os efeitos de campos eléctricos variáveis no tempo:
Ao adicionar este termo, a lei de Ampère–Maxwell fica:
Ou seja, os campos magnéticos são gerados não só por correntes de condução, mas também por campos eléctricos que variam com o tempo. Esta contribuição teórica de Maxwell foi determinante para a compreensão das ondas electromagnéticas.
34.2 – Equações de Maxwell e Descobertas de Hertz
Maxwell formulou quatro equações fundamentais que descrevem todos os fenómenos eléctricos e magnéticos no vácuo:
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Lei de Gauss para o campo eléctrico
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Lei de Gauss para o magnetismo
(Não existem monopólos magnéticos.)
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Lei de Faraday da indução
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Lei de Ampère–Maxwell
Estas equações preveem a existência de ondas electromagnéticas. Maxwell mostrou que a luz é uma forma dessas ondas.
Heinrich Hertz confirmou experimentalmente esta previsão em 1887, gerando e detectando ondas electromagnéticas com um circuito oscilante (tipo LC). Demonstrou que essas ondas têm propriedades como reflexão, refração, difracção, interferência e polarização, confirmando que a luz visível é um caso particular de radiação electromagnética.
34.3 – Ondas Electromagnéticas Planas
Assumindo uma onda que se propaga na direcção , com o campo eléctrico na direcção e o campo magnético na direcção , pode demonstrar-se (usando as equações de Maxwell) que ambos os campos obedecem a uma equação de onda do tipo:
A velocidade de propagação destas ondas é:
Ou seja, a velocidade da luz.
As soluções mais simples são ondas sinusoidais:
Com:
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-
Os campos e são perpendiculares entre si e à direcção de propagação.
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Obedecem ao princípio da sobreposição, tal como as ondas mecânicas.
34.4 — Energia transportada pelas ondas electromagnéticas
As ondas electromagnéticas transportam energia através do espaço. A forma de medir o fluxo de energia por unidade de área perpendicular à direcção de propagação é o vector de Poynting, definido por:
A direcção de indica a direcção de propagação da onda.
A magnitude de representa a potência por unidade de área (W/m²) que atravessa uma superfície.
Para uma onda electromagnética plana e sinusoidal, os campos eléctrico e magnético variam no tempo. Como tal, o vector de Poynting é também dependente do tempo. Contudo, muitas vezes interessa-nos o valor médio (intensidade da onda):
Além disso, a energia está igualmente repartida entre os campos eléctrico e magnético:
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Densidade instantânea de energia do campo eléctrico:
-
Densidade instantânea de energia do campo magnético:
Usando e , mostra-se que:
A densidade total instantânea de energia de uma onda é:
Em média, durante um período, obtemos:
Finalmente, a intensidade da onda (potência média por unidade de área) relaciona-se com a densidade média de energia:
Em resumo, as ondas electromagnéticas transportam energia de forma mensurável e direccionada, com os campos eléctrico e magnético contribuindo igualmente para essa energia.
34.5 — Momento e Pressão de Radiação
As ondas electromagnéticas não transportam apenas energia, mas também momento linear. Quando uma onda incide numa superfície e a energia é absorvida ou reflectida, transfere-se momento, exercendo pressão de radiação.
Casos principais:
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Absorção completa (exemplo: um corpo negro):
onde é a energia transferida.
A pressão exercida é:
(com o módulo do vector de Poynting médio.)
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Reflexão completa (espelho perfeito):
A pressão torna-se:
Para superfícies com reflectividade parcial, a pressão situa-se entre estes dois extremos.
Apesar de geralmente pequenas (p. ex., ≈5×10⁻⁶ N/m² para luz solar directa), estas pressões são mensuráveis e podem ter aplicações práticas, como a propulsão de naves espaciais com velas solares. Um exemplo real é a missão japonesa IKAROS, o primeiro veículo a usar vela solar como propulsão principal.
Conceito importante: A pressão de radiação depende da forma como a energia é transferida para a superfície: absorção, reflexão ou combinação de ambas.
34.6 — Produção de Ondas Electromagnéticas por uma Antena
Uma corrente constante não gera radiação electromagnética. Para emitir ondas electromagnéticas, é necessário que a corrente varie no tempo, o que implica aceleração de cargas.
Antena de meia onda (exemplo estudado):
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Dois varões condutores ligados a uma fonte de tensão alternada (oscilador LC).
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Cada varão tem um quarto do comprimento de onda da radiação emitida.
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A corrente alternada força as cargas a acelerar para trás e para a frente, funcionando como um dipolo oscilante.
A separação de cargas faz com que as linhas de campo eléctrico se assemelhem às de um dipolo eléctrico.
As correntes variáveis nos varões criam campos magnéticos variáveis perpendiculares ao campo eléctrico.
Observações importantes:
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Nos pontos próximos do dipolo, e estão desfasados de 90º, o que faz com que o fluxo líquido de energia seja nulo ali.
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Porém, a radiação propagada para longe do dipolo forma campos eléctricos e magnéticos em fase que variam como , originando transporte líquido de energia para o exterior.
A intensidade radiada não é igual em todas as direcções:
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É máxima num plano perpendicular ao eixo da antena.
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Nula ao longo do eixo da antena.
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Segue aproximadamente uma lei angular .
Antenas receptoras também funcionam por indução de correntes oscilantes, sendo mais eficazes quando alinhadas com o campo eléctrico incidente.
34.7 – O Espectro das Ondas Electromagnéticas
As ondas electromagnéticas diferem entre si apenas na frequência e no comprimento de onda, mas todas são manifestações do mesmo fenómeno físico: a aceleração de cargas eléctricas.
O espectro electromagnético abrange uma gama vastíssima de frequências e comprimentos de onda, sem limites ou fronteiras nítidas entre as diferentes regiões. As categorias que usamos (como "luz visível", "raios X", etc.) são convenções práticas para descrever diferentes partes do espectro.
Principais regiões do espectro electromagnético:
1. Ondas de rádio
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Comprimentos de onda: >10⁴ m até ~0.1 m.
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Origem: correntes oscilantes em condutores.
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Usos: comunicações de rádio, TV, telemóveis.
2. Micro-ondas
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~0.3 m até ~10⁻⁴ m.
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Geradas por dispositivos electrónicos (ex.: magnetrões).
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Usos: radar, telecomunicações, aquecimento em fornos micro-ondas.
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Aplicações avançadas: transmitir energia solar recolhida no espaço.
3. Infravermelhos (IV)
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~10⁻³ m até ~7×10⁻⁷ m.
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Emitidos por moléculas e objectos à temperatura ambiente.
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Efeito: agitam os átomos e moléculas do material absorvente, aumentando a sua energia interna → aquecimento.
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Usos: terapia, fotografia IV, espectroscopia vibracional.
4. Luz visível
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~400 nm (violeta) a ~700 nm (vermelho).
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A única parte detectável pelo olho humano.
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Origem: transições electrónicas em átomos/moléculas.
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Nota: a sensibilidade máxima do olho é cerca de 550 nm (verde-amarelado) — razão pela qual, por exemplo, bolas de ténis costumam ser amarelo-esverdeadas para melhor visibilidade.
5. Ultravioleta (UV)
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~400 nm até ~4 nm.
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Fonte natural principal: o Sol.
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Efeitos: provoca queimaduras solares, cataratas, danos no ADN.
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Protecção: o ozono estratosférico absorve a maior parte da radiação UV perigosa.
6. Raios X
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~10⁻⁸ m até ~10⁻¹² m.
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Origem: travagem rápida de electrões de alta energia em alvos metálicos.
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Usos: diagnóstico médico, tratamento de cancro, análise cristalográfica.
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Atenção: elevada capacidade de penetração → cuidados para evitar exposição excessiva.
7. Raios Gama
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~10⁻¹⁰ m até menos de ~10⁻¹⁴ m.
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Origem: transições nucleares, processos radioactivos.
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Também chegam do espaço como parte dos raios cósmicos.
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Altamente penetrantes e perigosos → requerem blindagem pesada (chumbo).
Ideias-chave:
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Todas estas radiações são ondas electromagnéticas geradas por aceleração de cargas eléctricas.
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As diferenças entre elas são de frequência e comprimento de onda, não de natureza.
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A divisão do espectro é arbitrária e prática, não física.
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Todas transportam energia e podem interagir com a matéria, tendo aplicações úteis ou efeitos nocivos, conforme a situação.
Resumo
As ondas electromagnéticas, previstas pelas equações de Maxwell, apresentam um conjunto de propriedades fundamentais que se podem descrever por modelos de ondas progressivas.
Equações de onda para os campos eléctrico e magnético
Os campos eléctrico e magnético obedecem ambos a equações diferenciais de onda no vácuo:
Estas equações mostram que os campos se propagam como ondas.
Velocidade das ondas electromagnéticas
A velocidade de propagação no vácuo é:
Relação entre frequência e comprimento de onda
A frequência e o comprimento de onda estão relacionados por:
Orientação dos campos
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Os campos e são perpendiculares entre si.
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Ambos são perpendiculares à direcção de propagação.
Relação entre as amplitudes dos campos
As amplitudes instantâneas estão relacionadas por:
Transporte de energia
As ondas electromagnéticas transportam energia. A intensidade de uma onda plana e sinusoidal é dada pelo valor médio do vector de Poynting ao longo de um ciclo:
Energia média por unidade de volume:
Relação com a intensidade:
Transporte de momento e pressão de radiação
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As ondas electromagnéticas transportam momento linear.
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Exercem pressão de radiação sobre as superfícies:
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Absorção completa:
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Reflexão completa:
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Equações de Maxwell no vácuo
Conjunto fundamental que governa todo o electromagnetismo clássico:
Lei de Gauss para o campo eléctrico:
Lei de Gauss para o magnetismo:
Lei de Faraday:
Lei de Ampère–Maxwell:
Força de Lorentz
A força exercida sobre uma carga em presença de campos e :
O Espectro Electromagnético
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Abrange uma vasta gama de frequências e comprimentos de onda.
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Inclui: ondas de rádio, micro-ondas, infravermelhos, luz visível, ultravioleta, raios X, raios gama.
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Todas são geradas por aceleração de cargas eléctricas.